escritas e falares da nossa língua


segunda-feira, dezembro 29, 2008

serão

"serão" (subst.) é a parte da noite que vai da ceia à hora do deitar. reunião familiar noturna em redor da lareira depois da ceia. trabalho feito à noite, fora do horário de trabalho.
graf. altern: "serám" e serán (Gz.)

e sobre "serão" deixo aqui a letra de um belo canto alentejano:


pelo toque da viola


ó luar da meia-noite
não digas à minha amada
que eu passei à rua dela
às quatro da madrugada

pelo toque da viola,
já sei as horas que são.
inda não é meia-noite,
já passei um bom serão!
já passei um bom serão,
vai dormir vai descansar,
vai dormir vai descansar,
amor do meu coração!

suspirava por te ver,
já matei a saudade,
uma ausência custa muito,
a quem ama com verdade!

pelo toque da viola,
já sei as horas que são.
inda não é meia-noite,
já passei um bom serão!
já passei um bom serão,
vai dormir vai descansar,
vai dormir vai descansar,
amor do meu coração!

sexta-feira, dezembro 26, 2008

tangolomango, tangomango, tranglomango, trangolomango ou trangomango

uma ou outra das variantes que se seguem é usada pelos falantes de Portugal, da Galiza e do Brasil.



subst., significa doença real ou imaginária produzida por um feitiço ou sortilégio, malefício das bruxas. coisa má, doença súbita ou prolongada de causa não reconhecida como natural.
"dar o tangolomango": morrer, desaparecer, sumir inexplicavelmente.



surge em algumas parlendas ou lengalengas populares, como essa aí do Brasil:



o tangolomango das irmãs


eram nove irmãs em casa
uma foi fazer biscoito.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão oito.

destas oito que ficaram
uma foi amolar canivete.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão sete.

destas sete que ficaram
uma foi falar francês.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão seis.

destas seis que ficaram,
uma foi pelar um pinto.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão cinco.

destas cinco que ficaram,
uma foi para o teatro.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão quatro.

destas quatro que ficaram,
uma casou com um português.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão três.

destas três que ficaram,
uma foi passear nas ruas.
deu o tangolomango nela
não ficaram senão duas.

dessas duas que ficaram,
uma não fez coisa alguma.
deu o tangolomango nela
e não ficou senão uma.

essa uma que ficou
meteu-se a comer feijão.
deu o tangolomango nela
e acabou-se a geração.


esta versão portuguesa, um tanto forçada na rima:


minha mãe teve dez filhos
todos dez dentro de um pote:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão nove.



desses nove que ficaram
foram amassar biscoito:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão oito.


desses oito que ficaram
foram pentear o tapete:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão sete.


desses sete que ficaram
foram esperar os reis:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão seis.


desses seis que ficaram
foram depenar um pinto:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão cinco.


desses cinco que ficaram
foram depenar um pato:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão quatro.


desses quatro que ficaram
foram matar uma rês:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão três.


desses três que ficaram
foram dar comida aos bois:
deu o tranglomango neles,
não ficaram senão dois.


desses dois que ficaram
foram matar um peru:
deu o tranglomanglo neles,
e não ficou senão um.


e esse um que ficou
foi ver amassar o pão:
deu o tranglomanglo nele,
e acabou-se a geração.




ou esta versão, mais moderna, de Maria Amália Camargo:

o tangolomango de Sinhá Mosca (fascículo completo)

eram treze moscas num sítio, uma ficou macambúzia
deu um tangolomango nela e então sobrou uma dúzia.
dessas doze, sinhá, que ficaram, uma tomou um bronze
deu um tangolomango nela e então sobraram onze.
dessas onze, sinhá, que ficaram, uma teve um revestrés
deu um tangolomango nela e então sobraram dez.
dessas dez, sinhá, que ficaram, uma amarrou o maior bode
deu um tangolomango nela e então sobraram nove.
dessas nove, sinhá, que ficaram, uma pousou num biscoito
deu um tangolomango nela e então sobraram oito.
dessas oito, sinhá, que ficaram, uma voou da charrete
deu um tangolomango nela e então sobraram sete.
dessas sete, sinhá, que ficaram, uma disse "sim, não, talvez"
deu um tangolomango nela e então sobraram seis.
dessas seis, sinhá, que ficaram, uma apertou o cinto.
deu um tangolomango nela e então sobraram cinco.
dessas cinco, sinhá, que ficaram, uma posou pr'um retrato
deu um tangolomango nela e então sobraram quatro.
dessas quatro, sinhá, que ficaram, uma esbarrou num genovês
deu um tangolomango nela e então sobraram três.
dessas três, sinhá, que ficaram, uma quis conhecer as dunas.
deu um tangolomango nela e então sobraram duas.
dessas duas, sinhá, que ficaram, uma caiu de bunda.
deu um tangolomango nela e tumba-catatumba!
essa uma, sinhá, que ficou, sentou em frente à televisão.
deu um tangolomango nela, acabou-se a geração!

e uma versão capixaba (i. e., do Estado do Espírito Santo, Br.):

uma velha tinha dez filhos, oi Iaiá,
foram brincar de automove
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram nove.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram nove

os nove filhos da velha, oi Iaiá
foram comer um biscoito.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram oito.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram oito

os oito filhos da velha, oi Iaiá
foram brincar de pintar o sete.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram sete.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram sete.

os sete filhos da velha, oi Iaiá
foram brincar na casa dos reis.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram seis.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram seis.

os seis filhos da velha, oi Iaiá,
foram lá pelar um pinto.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram cinco.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram cinco.

os cinco filhos da velha, oi Iaiá,
foram brincar dentro do quarto.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram quatro.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram quatro.

os quatro filhos da velha, oi Iaiá,
foram falar em francês.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram três.
morreu um, morreu um,
morreu, ficaram três.

os três filhos da velha, oi Iaiá,
foram comer muito arroz.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficaram dois.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficaram dois.

os dois filhos da velha, oi Iaiá,
foram comer muito tacum.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficou só um.
morreu um, morreu um,
morreu um, ficou só um.

este um filho da velha, oi Iaiá,
foi se meter com o urubu.
deu tango, deu mango neles, oi Iaiá,
morreu um, ficou nenhum.
morreu um, morreu um,
e a velha ficou sem nenhum...


finalmente, esta versão galega fornecida por Antón Cortizas (obrigado!), versão que reduzo à norma da AGAL, com as necessárias concessões etnográficas aos falares da Carnota:



o orangotango (Gz.):

uma nai tinha dez filhas,
todas do mesmo home,
e ven'o orangotango
nom quedano mais ca nove.
e das nove que quedano
deno em comer biscoito,
e ven' o orangotango
nom quedano mais ca oito.
e das oito que quedano
deno en tomar campeche,
e ven'o orangotango,
nom quedano mais ca sete.
e das sete que quedano
dénon’ir cantar os reis,
e ven'o orangotango,
nom quedano mais ca seis.
e destas seis que quedano
dénon’ir tomar vinho tinto,
e ven'o orangotango,
nom quedano mais ca cinco.
e das cinco que quedano
fono dar tombos de gato,
e ven'o orangotango,
nom quedano mais ca catro.
e das catro que quedano,
denon’ir a San' André,
e ven'o orangotango,
nom quedano mais ca tres.
e destas tres que quedano
denon’ir e vir às uvas,
e ven o orangotango,
nom quedano mais ca duas.
e das duas que quedano
denon’ir e vir à tuna,
e ven'o orangotango,
já nom quedou mais ca uma.
e da uma que quedou
sua nai deu-le as açoutas,
vai-te, minha filha, vai-te,
polo caminho das outras.

imagem: www.pacc.ufrj.br

tamém (Pt-n e Gz.)

"tamém" (adv.) é o mesmo que "também". forma sincopada, frequente no Norte de Portugal e na Galiza. significa "do mesmo modo", "igualmente", "além disso".

quinta-feira, dezembro 18, 2008

cesteiro que faz um cesto...

"cesteiro que faz um cesto faz um cento", diz o refrão. e com isso se quer dizer, habitualmente, que quem cometeu um erro é bem capaz de cometer outro, que quem nos traiu, ofendeu ou desiludiu, o pode tornar a fazer, ou seja, que "não há duas sem três".
sendo que "de boas intenções está o inferno cheio" e que "gato escaldado [até] de água fria tem medo", ficamos sempre na dúvida. daí que o refrão completo seja "cesteiro que faz um cesto faz um cento, dêm-lhe verga e tempo".


imagem: observares.blogspot.com

quarta-feira, dezembro 10, 2008

lubre (Gz.)


"lubre" (subst. fem.) era o bosque sagrado onde os celtas levavam a cabo os seus cultos, que tinham lugar à noite, ao luar.

badalhoco (Pt.), badalhocas (Gz.)

badalhoco (Pt) (adj.) significa "desajeitado", "desmazelado", "sem maneiras", "mal educado", "sujo", "porco", "imundo"; "que ou o que só faz porcarias". o termo é menos comum no Brasil.
badalhocas (Gz.) (adj.) diz-se da pessoa incorreta, sem maneiras, que não observa as formalidades; inconstante e charlatã.
embora haja quem faça vir estas palavras de "badalo", creio que a origem está em Badajoz, antiga Badalhouce e Badalioz. tal como outros adjetivos pouco simpáticos que se inspiram em pretensas caraterísticas do povo de outras cidades ou regiões por esse mundo fora. como "pulha" e "palerma", por exemplo.

terça-feira, dezembro 09, 2008

sem dizer água-vai

naqueles tempos, não tão distantes assim, não havia sistema de esgotos e de escoamento de águas. as pessoas livravam-se das águas usadas ou sujas jogando-as à rua, à vala ou cale pela janela, pela porta ou pela varanda. e, para evitar desgraças,ou incidentes desagradáveis, era de boa norma gritar alto, de jeito a que qualquer passante pudesse ouvir: "água vai!"


o procedimento tornou-se desnecessário, pois já quase todos temos água canalizada e ligação ao sistema municipal de esgotos e saneamento.
mas o espírito da expressão manteve-se. o seu fito é avisar, prevenir, precatar.
assim, "sem dizer água-vai" significa "sem avisar", "sem dar explicações".


imagem: aldacris.wordpress.com

quinta-feira, dezembro 04, 2008

de mãos a abanar

a expressão "de mãos a abanar" (Pt.) ou "de mãos abanando" (Br.) significa "de mãos vazias", "de mãos livres, sem nada", "sem nada nas mãos".
"estar de mãos a abanar": estar sem dinheiro, sem armas, sem recursos, sem soluções.
"ir ou chegar de mãos a abanar": não levar ou não trazer prenda ou lembrança ou não estar preparado para a retribuir.
"vir de mãos a abanar": vir sem nada de onde seria suposto que se trouxesse alguma coisa ou resultado.




imagem: mrobalinho.space.live.com

segunda-feira, dezembro 01, 2008

guisa (Pt., Gz. e Br.)

"guisa" (subst. fem.) significa "modo", "maneira", "feição", "procedimento"; "qualidade", "motivo", "razão". do germ. "wisa". usado em Portugal e no Brasil sobretudo na loc. adverbial "à guisa de": "em jeito de". na Galiza tamém (*) "em guisa de": de tal modo; "em outra guisa": de outro modo; "em toda guisa": de qualquer modo; "sem guisa": sem razão, sem motivo.

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(*) Dicionário Estraviz